quinta-feira, 16 de abril de 2009

Os trabalhadores do Mar: trabalho pela vida

Segundo Victor Hugo, o homem possui três necessidades por quais ele precisa lutar e, portanto, três lutas a serem cumpridas. Em cada uma de seus livros A Notre-Dame de Paris, Os Miseráveis e Os trabalhadores do mar, o autor pretende expor cada uma dessas lutas e necessidades.

"A religião, a sociedade, a natureza: são as três lutas do homem. Estas três lutas são ao mesmo tempo as suas três necessidades; precisa crer, daí o tempo; precisa criar, daí a cidade; precisa viver, daí a charrua e o navio. Mas há três guerras nestas três soluções. Sai de todas a misteriosa dificuldade da vida. O homem tem de lutar com o obstáculo sob a forma de superstição, sob a forma preconceito e sob a forma elemento.” (p. 17)

Certa vez fui presenteada com Os trabalhadores do mar, de onde retirei a citação. Já esperava que fosse um bom livro, pois se trata de um clássico, mas me surpreendi descobrindo nele um dos melhores de todos os que li. Havia momentos em que ria muito e outros em que chorei emocionada com a situação.

Logo no início da leitura, o que mais chamou a atenção foi a posição do narrador, que assume a voz do povo, do senso comum, conhecendo o protagonista Gilliatt ao mesmo tempo que os leitores, compartilhando das mesmas dúvidas das demais personagens que conviviam com ele.

“Não estava fixa a opinião a respeito de Gilliatt.
Geralmente era tido por marcou. Outros acreditavam mesmo que fosse filho do diabo.
Quando uma mulher tem, do mesmo homem, sete filhos machos consecutivos, o sétimo é marcou. Mas, para isso, é necesário que nenhuma filha venha interromper a série dos rapazes...” (p.36)

Esse tipo de comentário esta presente em todo o romance, até o momento em que Gilliatt se apaixona. Depois disso, passamos a acompanhar e até sentir o sofrimento de Gilliat e sua luta pela vida, pela continuidade até o último momento.

Para não tirar o desejo de leitura, transcrevo mais um parágrafo, dos últimos do livro:

“Aqueles olhos fixos não se pareciam com coisa alguma que se possa ver na terra. Havia o inexprimível naquela pálpebra trágica e calma. O olhar tinha toda a soma de tranquilidade que deixa o sonho abortado; era a aceitação lúgubre de outro complemento. Uma figa de estrela deve ser acompanhada por olhares semelhantes. De quando em quando a obscuridade celeste aparecia naquela pálpebra cujo raio visual estava fixo num ponto do espaço. Ao mesmo tempo em que a água infinita subia à roda do rochedo Gild-Hom-‘Ur, ia subindo a imensa tranquilidade nos olhos profundos de Gilliat”(p. 365)


Um pouco sobre o autor: Poeta, dramaturgo e romancista, Victor Hugo é um dos mais importantes escritores franceses do período romântico. Terceiro filho de um major que, mais tarde, se tornaria um general do exército napoleónico, Victor Hugo passou a sua infância entre Paris, Nápoles e Madrid, consoante as viagens do pai. Em 1921, ano do seu casamento com uma amiga de infância, Adèle Foucher, publicou o seu primeiro livro de poemas, Odes et poésies diverses, com o qual ganhou uma pensão, concedida por Louis XVIII. Um ano mais tarde publicaria o seu primeiro romance, Han s’Islande.Os seus livros mais conhecidos são Notre-Dame de Paris (1831), O Corcunda de Notre-Dame e Os Miseráveis (1862). No final da sua vida, Victor Hugo foi político, deixando notáveis ensaios nesta área. Morreu em Paris, em 1885.

Edição Utilizada: HUGO, Victor. Os trabalhadores do mar. Trad. Machado de Assis. . São Paulo: Nova Cultural, 2003.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

ProJovem Urbano: impressões

Peço desculpas a todos pela demora em postar novamente, mas estou mudado de emprego e isso exigiu de mim um esforço enorme. Passei em um teste seletivo para professora do programa ProJovem Urbano e, para assumir o cargo, os professores passaram por um intensivo curso de pedagogia.

Desculpem-me as boas pedagogas, mas as que eu conheço são todas iguais, não conseguem virar o disco e, por quase 15 horas diárias, eu e mais 36 vítimas deste teste, ficamos ouvindo sempre as mesmas coisas (as mesmas que já havíamos ouvido também durante os 4 ou 5 anos de graduação). Isso durou 9 dias e incluiu sábados!

O programa do governo federal é mesmo muito interessante: pessoas de 18 a 29 anos que não tiveram, por algum motivo, possibilidade de terminar o ensino fundamental na idade correta puderam se matricular e, juntamente com o ensino fundamental, tem aulas de qualificação profissional (Construção e Reparos, Serviços Domésticos e Vestuário, no caso da minha cidade), informática (muitos nunca tocaram num computador!), inglês, e Participação Cidadã, disciplina desenvolvida por uma assistente social, que pretende conscientizar os alunos das mudanças que eles podem gerar em suas comunidades se souberem até onde vão seus direitos e como fazê-los valerem. Além de tudo isso, (agora vai parecer um pouco paternalista e assistencialista), se o aluno tiver no mínimo 75% de frequência e 75% de aproveitamento das disciplinas, receberá uma bolsa auxílio mensal no valor de R$100,00. O material didático que todos os alunos recebem é de ótima qualidade.

Ainda assim, muitos alunos reclamam por não ter transporte gratuito, uniforme gratuito ... Talvez estejam acostumados a conseguir tudo facilmente, reflexo de coisas que facilmente se consegue: bolsa-família, vale-gás, luz fraterna...

Na segunda-feira, quando começaram as aulas, alguns alunos já vieram me perguntar sobre a tal da bolsa e, quando falei que a primeira geralmente demora a sair, todos ficaram irritadíssimos, como se alguém os tivesse enganando ou roubando os tão valiosos R$100,00 que receberão. Alguns estão pouco interessados nesta oportunidade de melhorar o nível de estudo, fazer um curso de qualificação e aprender a mudar o que está próximo deles.

Acredito que, mesmo assim, alguns deles farão a diferença. Alguns estão lá porque sabem que perderam muito tempo na vida e querem melhorar ao menos um pouco a qualidade de vida de suas famílias. Tenho certeza de que também aprenderei muito com eles, com a experiência de vida que meninas de 23 anos, casadas há 10, com 4 filhos têm.