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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Realismo e Burguesia em Jane Austen: Persuasão

Escrito pela inglesa Jane Austen e publicado postumamente em 1818, Persuasão foi o último romance da escritora e, embora tenha sido escrito muito antes do advento da escola realista, pode-se captar em sua obra muitas das características do realismo.

Advinda da sociedade burguesa da época, é comum encontrarmos em seus romances um retrato e uma crítica à burguesia e seus valores, de onde surgem os temas principais de Persuasão. Na sociedade burguesa, era muito difícil que alguém mudasse de classe social, sendo que os menos privilegiados viviam à margem da sociedade, sem possibilidade de alcançar uma posição social mais elevada.

Uma das poucas soluções para se conseguir uma elevação de classes era através do matrimonio com alguém da alta sociedade. Embora as famílias abastadas não aceitassem que seus filhos se casassem com pessoas de classe inferior, muitos eram os golpes.

A persuasão também é uma temática bastante presente no livro – a ponto de o romance levar este título – e na burguesia retratada, pois muitas vezes as pessoas eram aconselhadas e até forçadas a deixarem seus valores e sentimentos de lado para representar um papel imposto pela sociedade. Anne é uma personagem que sofre com isso, acabando por trocar suas convicções pela sugestão de sua madrinha. Assim é que ela acaba desistindo do casamento com Wentworth.

– Deveria ter feito uma distinção – replicou Anne – Não deveria ter suspeitado de mim, agora; o caso é tão diferente, minha idade, outra. Se errei uma vez ao ceder à persuasão, lembre-se de que foi por esta ser exercida em favor da segurança, e não do risco. Quando me submeti, pensei que era este o meu dever; mas nenhum dever poderia ser chamado em auxílio no caso. Ao me casar com um homem indiferente a mim, incorreria em todos os riscos, e violaria todos os deveres. (AUSTEN, 2007, p. 289)

A partir dessa reflexão de Anne somos levados a avaliar a importância e a força da persuasão, se ela seria uma força negativa ou positiva agindo no romance e na vida das personagens. Esses temas, trabalhados como foram por Jane Austen em Persuasão, dão créditos de realidade ao texto, pois fazem parte dos valores das pessoas que viviam na época. São temas e tramas da vida real trazidas à literatura.


Outras coisas que não deixam a deseja no romance são as descrições. característica muto comum do realismo, as descrições de Jane Austen beiram a perfeição:

E como não houvesse nada para se admirar, o olhar do visitante se voltava para a invejável localização da cidade, a rua principal quase se precipitando na água, o passeio ao Cobb, suas antigas maravilhas e novos melhoramentos, com a linda linha de rochedos estendendo-se para leste da cidade. E seria um estranho visitante quem não visse encantos nas redondezas de Lyme, nem tivesse vontade de conhecê-la melhor! As paisagens nas suas redondezas, Charmouth, com suas terras altas e grandes extensões de campos, e ainda a suave baía retirada, emoldurada por escuros penhascos, onde fragmentos de rochas baixas, entre a areia, tornam-na o local mais propício para observar o fluxo da maré e sentar-se em incansável contemplação; as diferentes variedades de árvores da alegre vila de Up Lyme, e, principalmente, de Pinny, com suas verdes ravinas por entre tochas românticas, onde esparsas árvores de floresta e hortas luxuriantes indicam que muitas gerações se passaram desde a primeira queda parcial do rochedo preparasse o campo nesse aspecto, onde surge um cenário tão maravilhoso e adorável, que bem pode igualar qualquer paisagem da tão famosa ilha de Wight: esses lugares devem ser visitados e revisitados, para se compreender o valor de Lyme. (Idem, p. 125, 126)


Em 2007, criado para ser exibido na TV, sob a direção de Adrian Shergold, Persuasão recebeu uma adaptação cinematográfica que deixa muito pouco a desejar. A fotografia é, de fato, muito bonita e a fidelidade ao romance alcança um alto nível.

Para quem gostou de ler, ou assitir, "Razão e Sensibilidade", "Orgulho e Preconceito" e "Emma", "Persuasão" é uma boa pedida! Há também, uma belíssima biografia, para quem se interessa pela universo da autora, Becoming Jane, que deixa bem claro a sociedade em que ela viviam e as influencias que recebeu. Vai a dica!

terça-feira, 19 de maio de 2009

Mil anos menos cinquenta, de Ângela Abreu (Dutra de Menezes)

A mesma verdade pode mudar de aparência, dependendo de como é contada: igual à idade de Noé – 950 anos, diz a Bíblia (Gênesis 8, 29); Mil anos menos cinqüenta, explica, com mais poesia, o Alcorão (29, 14). Dois livros, dois simbolismos, duas maneiras de pensar revelando a mesma história – a de séculos, um milênio, ou quase isto.  Exato o tempos gasto por ma família em sua caminhada entre Coimbra reconquistada (1064) e o Brasil de hoje – mil anos menos cinqüenta de omissão, coragem, medo, solidão, fé no possível e, claro, muitas paixões. (Contra capa)
 

Logo quando iniciei o mestrado, um de meus professores passou uma lista de livros que deveríamos ler na sua disciplina, que falaria sobre Ficção Histórica. 

Nunca havia ouvido falar de Ângela Abreu, ou Ângela Dutra de Menezes, mas me surpreendi com a sua qualidade artística, principalmente pelo fato de quase todos os alunos da minha turma também não a conhecerem. Foi com curiosidade que iniciamos a leitura do romance que tem duas epígrafes igualmente surpreendentes: 

E disse Jesus: não julgueis que eu tenha vindo trazer paz à Terra. Não vim trazer a paz, mas a espada. (Evangelho de Mateus, capítulo 10, versículo 34) 

Resignai-vos ou não vos resigneis, o resultado será o mesmo. (Alcorão, sura 52, versículo 16)
 

Ao lermos o texto da contra-capa do livro (paratexto), percebemos que se trata de uma versão da História de Portugal. A epígrafe apenas ajuda a reforçar a idéia de oposição entre as duas religiões que fundaram o país e sua cultura: o catolicismo e o islamismo. 

Fica evidente também, principalmente quando se inicia a leitura, de fato, que se trata de uma paródia dos estudos religiosos e da história: 

Livro da genealogia de todos nós, filhos de Deus ou do Diabo, conforme cada destino. 

Ab’ul e Urraca geraram Afonso. Afonso gerou Pedro Afonso. Pedro Afonso gerou Fernando. Fernando, de Arshan, gerou Nabila e o varão Paulo Pio. Nabila gerou João Afonso e Mona. Mona gerou Joana. Joana gerou Brites. Brites gerou Constança. Constança gerou Ana e então teve o exílio de Coimbra. (p. 14)
 

Igualmente, todos os demais 72 capítulos (curtos) trazem uma epígrafe religiosa, por vezes tirada da Bíblia, outras do Alcorão. 

Ao final do livro, encontramos a Genealogia de Ab’ul e Urraca, uma ferramenta muito utilizada nos livros de história e que é muito útil em “Mil anos menos cinqüenta”, devido o grande número de personagens e ao longo tempo em que passa o enredo. 

Quase todas as personagens fazem referência a personalidades da História de Portugal, mas constroem uma história paralela que frequentemente se entrelaça com a história oficial. 

Como se fosse fácil, Urraca, 38ª geração de Ab’ul e Urraca, decidiu fazer-se ao mar, atravessar o oceano, levar seu sangue ao Brasil, o sangue e os olhos mouros, também os cabelos vermelhor, até os antigos defeitos, velhos vícios de sua gente – tentando ou não tentando, o final seria o mesmo, ao menos se distraía. Foi decidir e ir embora, assim deixara Coimbra, sem nem mesmo olhar para trás, e assim partiu Urraca, em uma manhã de inverno, levando pequena bagagem, apenas algumas roupas, raras moedas, contadas, dois livros de Dom Quixote, herança de sua mãe com quem aprendera a ler, livros de matar saudade, um dia eles seriam a alegria de uma neta mas isto, como saber, saber naquele momento, só de esperança, afinal, era do clã, trazia sonhos nas mãos – seria uma nova luta, isto já se sabia, por ser herança divina a luta não acabava mas em um País distante, novos chãos, novos caminhos, quem sabe haveria um canto para, enfim, a família conseguir viver em paz. (p. 258)
 

O enredo, como ficamos sabendo ao final do livro, e contado do Rio de Janeiro. Além de uma genealogia portuguesa, como daí viemos, esse livro não deixa de constituir, também, a nossa genealogia. 

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Os trabalhadores do Mar: trabalho pela vida

Segundo Victor Hugo, o homem possui três necessidades por quais ele precisa lutar e, portanto, três lutas a serem cumpridas. Em cada uma de seus livros A Notre-Dame de Paris, Os Miseráveis e Os trabalhadores do mar, o autor pretende expor cada uma dessas lutas e necessidades.

"A religião, a sociedade, a natureza: são as três lutas do homem. Estas três lutas são ao mesmo tempo as suas três necessidades; precisa crer, daí o tempo; precisa criar, daí a cidade; precisa viver, daí a charrua e o navio. Mas há três guerras nestas três soluções. Sai de todas a misteriosa dificuldade da vida. O homem tem de lutar com o obstáculo sob a forma de superstição, sob a forma preconceito e sob a forma elemento.” (p. 17)

Certa vez fui presenteada com Os trabalhadores do mar, de onde retirei a citação. Já esperava que fosse um bom livro, pois se trata de um clássico, mas me surpreendi descobrindo nele um dos melhores de todos os que li. Havia momentos em que ria muito e outros em que chorei emocionada com a situação.

Logo no início da leitura, o que mais chamou a atenção foi a posição do narrador, que assume a voz do povo, do senso comum, conhecendo o protagonista Gilliatt ao mesmo tempo que os leitores, compartilhando das mesmas dúvidas das demais personagens que conviviam com ele.

“Não estava fixa a opinião a respeito de Gilliatt.
Geralmente era tido por marcou. Outros acreditavam mesmo que fosse filho do diabo.
Quando uma mulher tem, do mesmo homem, sete filhos machos consecutivos, o sétimo é marcou. Mas, para isso, é necesário que nenhuma filha venha interromper a série dos rapazes...” (p.36)

Esse tipo de comentário esta presente em todo o romance, até o momento em que Gilliatt se apaixona. Depois disso, passamos a acompanhar e até sentir o sofrimento de Gilliat e sua luta pela vida, pela continuidade até o último momento.

Para não tirar o desejo de leitura, transcrevo mais um parágrafo, dos últimos do livro:

“Aqueles olhos fixos não se pareciam com coisa alguma que se possa ver na terra. Havia o inexprimível naquela pálpebra trágica e calma. O olhar tinha toda a soma de tranquilidade que deixa o sonho abortado; era a aceitação lúgubre de outro complemento. Uma figa de estrela deve ser acompanhada por olhares semelhantes. De quando em quando a obscuridade celeste aparecia naquela pálpebra cujo raio visual estava fixo num ponto do espaço. Ao mesmo tempo em que a água infinita subia à roda do rochedo Gild-Hom-‘Ur, ia subindo a imensa tranquilidade nos olhos profundos de Gilliat”(p. 365)


Um pouco sobre o autor: Poeta, dramaturgo e romancista, Victor Hugo é um dos mais importantes escritores franceses do período romântico. Terceiro filho de um major que, mais tarde, se tornaria um general do exército napoleónico, Victor Hugo passou a sua infância entre Paris, Nápoles e Madrid, consoante as viagens do pai. Em 1921, ano do seu casamento com uma amiga de infância, Adèle Foucher, publicou o seu primeiro livro de poemas, Odes et poésies diverses, com o qual ganhou uma pensão, concedida por Louis XVIII. Um ano mais tarde publicaria o seu primeiro romance, Han s’Islande.Os seus livros mais conhecidos são Notre-Dame de Paris (1831), O Corcunda de Notre-Dame e Os Miseráveis (1862). No final da sua vida, Victor Hugo foi político, deixando notáveis ensaios nesta área. Morreu em Paris, em 1885.

Edição Utilizada: HUGO, Victor. Os trabalhadores do mar. Trad. Machado de Assis. . São Paulo: Nova Cultural, 2003.

sábado, 14 de março de 2009

E se você fosse um livro? - Farenheit 451

ATENÇÃO: CONTÉM SPOILERS!

Farenheit 451 é um filme produzido em 1966 pelo diretor francês François Truffaut e o enredo se passa num futuro hipotético, quando as pessoas nem podem imaginar que as casas eram suscetíveis a pegar fogo e os bombeiros serviam para apagá-lo.

Neste momento, viver-se-ia num regime totalitário em que só teria futuro quem obedecesse a todas as regras:

— O que faz nas horas de folga, Montag?
— Muita coisa... corto a grama...
— E se fosse proibido?
— Ficaria olhando crescer, senhor.
— Você tem futuro.

Nesse futuro criado pelo escritor Ray Bradbury, num romance homônimo, os livros seriam proibidos e as pessoas que liam-nos eram castigadas e por vezes mortas. Quem guardava livros em casa era denunciado e os mesmos eram queimados pelos bombeiros, dos quais a personagem Montag é um exemplo. O nome do filme, é uma referência à temperatura de decomposição dos livros.

Após conhecer Clarisse, no entanto, uma professora e leitora assídua, ele lê seu primeiro livro (David Coperfield, de Charles Dickens) e passa a levar para casa os livros que deveria queimar. A mudança de comportamento de Montag é explícita. No entanto, sua esposa conformista descobre os livros em casa e denuncia-o. Sua morte é forjada pelos bombeiros e ele vai ao encontro de Clarisse na Terra dos homens-livro, uma espécie de aldeia em que cada pessoa memoriza e destrói um livro para poder publicá-lo no futuro.
Muitos provavelmente não gostarão do filme, dado suas imagens e produção tosca (revolucionária para a época) mas a moral do filme vale muito a pena. Pergunto-me como só fui descobri-lo há tão pouco tempo.... E me pergunto: que livro eu seria?

quarta-feira, 11 de março de 2009

Personagens X pessoas: ficção (Parte II)

Novamente sobre as personagens...

Após a leitura do livro “A personagem de ficção”, propus ao meu grupo a discussão do mesmo.

Quando discutíamos “A personagem cinematográfica”, do Paulo Emílio Sales Gomes, nos surpreendemos com a afirmação de que as personagens da literatura ficam para a eternidade, enquanto as personagens do cinema são efêmeras, nos deixando, geralmente, apenas a recordação da imagem do ator/atriz que a interpretou.. Eis algo em que nunca havíamos parado para pensar!

Quando me propus a fazer uma lista das personagens que foram mais marcantes para mim, isso não foi uma tarefa tão difícil, e seus nomes saltaram da boca aos magotes: D. Quixote, Ana Karênina, Madame Bovary, Ulisses... e essas personagens não são tão recentes, ou seja, estão tão cristalizadas que até pessoas que nunca leram os livros em que viviam conhecem seus nomes.

Se formos limitar essa lista às personagens cinematográficas, quem seriam os componentes? Paulo Emílio restringe: Carlito (Charles Chaplin) talvez tenha sido a única personagem criada pelo cinema que sobreviveu ao tempo e passou a fazer parte da enciclopédia de vida das pessoas , mesmo que elas não tenham assistido a seus filmes.

Ademais, lembramo-nos de Audrey Hepburn, Elizabeth Taylor e diversos outros artistas. Quando uma personagem cinematográfica nos vem è mente, ela geralmente é fruto da literatura ou outras mídias como as HQs (Romeu e Julieta, Super Homem, Drácula...), ou seja, quando evocamos personagens do cinema, vêm a nós pessoas de verdade.

Transcrevo a conclusão do autor:

A vitalidade da personagem literária, novelística ou teatral, reside no seu registro em letras, na modernidade constante de execução garantida por essas partituras tipográficas. A personagem registrada na película nos impõe até os ínfimos pormenores o gosto geral do tempo em que foi filmada. Poderá um Leonardo do cinema fazer aceitar pela posteridade uma Mona Lisa cujo fascínio e mistério seria expresso através de movimento, som, sofrimento, alegria e do contexto completo do seu drama?

segunda-feira, 9 de março de 2009

A vida e a literatura: diálogos

"... em minha discreta opinião, senhor doutor, tudo quanto não for vida, é literatura, A história também, A história sobretudo, sem querer ofender, E a pintura, e a música, A música anda a resistir desde que nasceu, ora vai, ora vem, quer livrar-se da palavra, suponho que por inveja, mas regressa sempre à obediência, E a pintura, Ora, a pintura não é mais do que literatura feita com pincéis, Esero que não esteja esquecido de que a humanidade começou a pintar muito antes de saber escrever, Conhece o rifão, se não tens cão caça com o gato, por outras palavras, quem não pode escrever pinta, ou desenha, é o que fazem as crianças, O que você quer dizer, por outras palavras, é que a literatura já existia antes de ter nascido, Sim senhor, como o homem, por outras palavras, antes de o ser já o era. Parece-me um ponto de vista bastante original..."

(SARAMAGO, José. História do cerco de Lisboa, p. 12)

quarta-feira, 4 de março de 2009

A Invenção de Morel - Adolfo Bioy Casares

Discuti com o seu autor os pormenores do enredo, reli-o; não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole classificá-lo como perfeito. (Jorge Luis Borges)

Quando se lê uma afirmação dessas vinda de Borges, pode-se ter certeza de que se trata de coisa realmente muito boa. Trata-se de “A invenção de Morel”. A exemplo dos textos de Borges, o romancista argentino Adolfo Bioy Casares também produziu ótima literatura fantástica.

O enredo, aparentemente simples, conta a história de um fugitivo da justiça que se refugia numa ilha misteriosa do pacífico, onde há a suspeita de uma grave epidemia. A forma é de um diário editado, permeado pelas notas de um editor. O protagonista apaixona-se por uma moça, Faustine, que ele acredita ser parte de um grupo de veranistas. Mais tarde, descobre que ela e ninguém do grupo podem vê-lo.

A invenção de Morel”, assim como em alguns textos de Borges, confunde o leitor com relação ao caráter ficcional da obra. Tudo, absolutamente tudo deve ser levado em consideração neste texto e só assim é que conseguimos chegar ao ponto chave da narrativa. A sensação de estranhamento é presente na obra quase que constantemente.

Sem spoilers, um trecho de um dos livros mais interessantes e fantásticos (em ambos os sentidos) que já li:

“Contarei fielmente os factos que presenciei entre a tarde de ontem e a manhã de hoje, factos inverossímeis, que a realidade não terá podido produzir sem trabalho... Agora a verdadeira situação parece não ser a descrita nas páginas anteriores; a situação que vivo não é a que julgo viver.”

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Personagens X pessoas: ficção

Antônio Cândido, quando escreveu “A personagem do romance”, tentou inicialmente diferenciar personagem (ser fictício) de pessoa (ser real), e o que parecia simples tornou-se uma discussão de várias páginas. Pode um personagem SER?

E mais uma vez voltamos para “A poética” de Aristóteles. Como toda ficção é baseada na realidade e deve ser verossimilhante, toda personagem deve igualmente ser verossimilhante, ou seja, deve convencer enquanto pessoa.

Daí, surgiram várias definições de personagens: tipos, planas, redondas ou esféricas, transpostas, inventadas etc. Podemos dizer que, de certa forma, toda personagem é transposta, pois possui características básicas capazes de definir uma pessoa. Por mais estranha e inventada que seja uma personagem, ela possui características que são comuns a todo ser humano.

A principal diferença entre personagens e pessoas, exposta por Antônio Cândido, é que as pessoas são ilimitadas (podemos apreender todo o seu físico, mas não sua personalidade, por que está em constante desenvolvimento e transformação e por que alguns traços psicológicos são imperceptíveis até mesmo para si mesmas) e as personagens são limitadas, têm personalidades bem definidas, inseridas no todo do romance.

Além disso, há o fato de que na vida, estamos tão acostumados a visualizar fragmentos que por vezes os tomamos como todo, ou seja, transformamos as pessoas que conhecemos em personagens. Na ficção, os fragmentos são o que basta para termos uma visão do todo, pois as personagens não têm passado nem futuro além do livro.

Até o romantismo, as personagens eram idealizadas, perfeitas e fechadas em si mesmas. Com o advento do realismo (e do naturalismo, racionalismo, positivismo, determinismo, psicologia e psicanálise ...) as personagens se tornaram mais reais, mais profundas, mais humanas.

Surgiram personagens como Madame Bovary, Anna Karenina e Capitu, Heathcliff, Gatsby e Bartleby, GH e Ulysses, dentre outros. E quem, dentre nós, diria que não são pessoas? Quem, dentre nós, se acha mais humano que qualquer uma dessas personagens?

A vantagem do ser fictício sobre o ser humano está na intensidade com que ele vive cada momento e cada paixão, e a vantagem do ser humano sobre o ser fictício está na “aventura sem fim que é, na vida, o conhecimento do outro” (CÂNDIDO).

Top 10 (minhas) personagens inesquecíveis

1. Heathcliff (O morro dos ventos uivantes)
2. Blimunda (Memorial do Convento)
3. Macabéia (A hora da estrela)
4. Brás Cubas (Memórias Póstumas de Brás Cubas)
5. Bartleby (Bartleby: o escriturário)
6. Gilliatt (Os trabalhadores do mar)
7. Gatsby (O grande Gatsby)
8. Anna Karênina (Anna Karênina)
9. Lady Macbeth (Macbeth)
10. Riobaldo (Grande Sertão: Veredas)

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A personagem de ficção”!

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Milton Hatoum: relatos de leitura

No ano passado tive a oportunidade de conhecer um dos escritores brasileiros contemporâneos mais interessantes: Milton Hatoum. Foi um intensivo: li os quatro livros publicados do autor.

O livro mais conhecido do escritor é “
Dois Irmãos” que, justamente, mostra o relacionamento dos gêmeos Omar e Yakub. É inevitável, lendo este romance, relacioná-lo a Esaú e Jacó, de Machado de Assis e mesmo aos irmãos bíblicos. É mais uma história sobre os duplos. A temática do romance abrange o incesto, a rivalidade, a rejeição.

De modo geral, os temas de seus livros são recorrentes. Em “Relato de um certo Oriente” também os encontramos. Mas, neste romance, o que mais chama a atenção é a construção. A mesma história aqui é contada sob diversos pontos de vista, de forma que, à primeira leitura, o leitor desavisado pode não perceber quem é o narrador do capítulo que se está lendo. Em “Relato de um certo Oriente”, a maior temática é a memória, que é construída coletivamente para formar o relato completo. O romance se tornou a obra prima do autor.

Em “
Cinzas do Norte”, mais uma vez a temática é a rejeição. O romance é o retrato do homem atual, quando os valores morais e éticos perderam a importância, quando o Ser não tem mais importância. Outra temática deste romance é a arte, tanto visual quanto literária.

A novela “
Órfãos do Eldorado”, último livro publicado pelo autor, tematiza, principalmente, os mitos amazonenses, amora evoque imagens da literatura mundial em diversos momentos. Vemos, aqui, como os mitos passam a fazer parte da vida das pessoas a ponto de elas nem perceberem mais que se trata de um mito.

No final do mês, a Cia das Letras lança “A Cidade Ilhada”, livro com 13 contos, do qual faz parte “
Encontros na Península”, disponível no site da revista Bravo, em que mais uma vez fica clara a influência de Machado de Assis na obra do autor. Não é difícil pensar em seus textos como os relatos da leitura que teve, e podemos ver que foram muitas.
Vale a pena ler o conto e conhecer o escritor!

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sábado, 24 de janeiro de 2009

O romance e o realismo

Um dos primeiros problemas com que a arte, seja ela cinema, literatura, pintura, dentre outras, se depara é a sua legitimação. A muitos olhos, a arte não possui valor social e não produz nenhum bem imediato à sociedade, ou seja, nem sempre se consegue perceber a função da arte.

O caso da literatura, particularmente, possui um agravante: a ficção. O fato de se saber que o que se está lendo não é uma verdade (entendida aqui como o que aconteceu de fato) acaba diminuindo ainda mais a popularidade da literatura. A justificação da literatura ficaria então por conta das disciplinas que ela seria capaz de englobar.

A partir disso, Silvina Rodrigues Lopes reflete sobre qual a função da ficção:

A relação ars e ingenium corresponde ao reconhecimento de uma capacidade de
inventar, de ficcionar, a par da necessária mestria técnica e do respeito das
regras que ela implica. Trata-se de pensar até que ponto a arte é exclusivamente
imitação ou também invenção e até que ponto estas se opõem ou completam.


Dessa forma, podemos pensar sim, numa função representativa e inventiva da literatura, visto que ela pretende representar a vida, mas utiliza-se da capacidade de invenção de seus autores. Silvina Lopes afirma que ao mesmo tempo em que se “concede à literatura o direito de inventar histórias e fábulas originais e ao autor o direito a um estilo ‘próprio’, impõe(-se)-lhe o dever de não ir além do aceitável e, portanto, necessariamente, do reconhecível, isto é, proíbe-a de inventar.

Mesmo nos primórdios da teoria literária já se discutia a função da literatura e a sua distinção das outras áreas do conhecimento. Em “A poética”, Aristóteles evoca o tempo todo o termo imitação, mas também considera o fator da invenção. “O historiador e o poeta não se distinguem por escrever em verso ou prosa; (...) a diferença é que um relata os fatos que de fato sucederam, enquanto o outro fala de coisas que poderiam suceder”.

Quando, no século XIX, surgiu o termo realismo, destinado a determinado grupo de obras literárias, o fator imitação era extremamente valorizado a ponto de que o significado era mais importante que a significação. Buscava-se, naquele momento, trazer a realidade, nua e crua, para dentro do texto ficcional. Surge aí o gênero romanesco como o conhecemos hoje, em que se dá o privilégio ao conteúdo e não simplesmente à forma, sendo que esta assume um caráter mais livre.

Como o romance, gênero realista por excelência, surge justamente na oposição entre a subjetividade romântica e a objetividade e o pensamento científico, temos, a partir daí, o retrato do homem em sua completude, seus defeitos e suas virtudes. A grande idéia do romance realista foi representar a vida humana, o concreto.

Partindo da ascensão desse novo modelo de ficção, descrita por Ian Watt, o romance acabou trazendo o realismo como sua maior característica até o presente, com a justificativa de que, vendo o que somos mediante a apreciação da obra de arte, podemos refletir sobre a nossa condição.

No entanto, a própria concepção de realismo é relativa. Jakobson reflete:

O que é o realismo para o teórico de arte? É uma corrente artística que propôs
como seu objetivo reproduzir a realidade o mais fielmente possível e que aspira
ao máximo de verossimilhança. (... ) E já se evidencia a ambigüidade: 1 –
trata-se de uma aspiração, uma tendência, isto é, chama-se realista a obra cujo
autor em causa propõe como verossímil (significação A). 2 – Chama-se realista a
obra que é percebida por quem a julga como verossímil (significação B)

Assim, podemos afirmar que há dois realismos: o escolástico e o realismo que, mesmo não pertencendo à época e ao movimento literário realista, possui características que conferem ao texto o fator da verossimilhança e propiciam ao leitor a impressão de estar frente a acontecimentos reais. Ian Watt, estudando alguns textos ingleses realistas, propõe algumas das que seriam as características básicas que provocam no leitor essa impressão de realidade frente ao texto ficcional.

A primeira característica proposta pelo estudioso é a ênfase na experiência individual. Antes da ascensão do romance, os textos literários buscavam mais privilegiar os feitos históricos e as qualidades de determinado grupo de pessoas. Deixa-se, no romance, de apresentar caracteres gerais, tipos e passa-se a privilegiar a experiência individual, a especificidade das personagens. Dentre outras coisas, o nome da personagem, que tinha uma função e era muito freqüentemente genérico, passa a funcionar de forma diferente. Os nomes são, para a literatura realista “a expressão verbal da identidade particular de cada indivíduo” A apresentação e a caracterização do cenário também ganha um papel especial, pois sua descrição conta agora com pormenores e exatidão. Não é mais descrito apenas o que será usado numa determinada cena, mas tudo o que faz parte de determinado espaço, mesmo que, aparentemente, ele não tenha nenhuma função para o entendimento do enredo além de conceder um caráter mais particular ao que é narrado.

Contrariamente ao que acontecia com a narrativa anterior ao romance, que buscava narrar o atemporal, as experiências que poderiam tanto acontecer agora como há 300 anos, o romance situa os fatos narrados e um local e tempo bem delimitados, visto que, repetindo, não busca mais o geral, mas o específico e o que é específico sempre possui um local e um tempo bem definidos. Resumindo, tudo o que existe, existe em determinado tempo e local.

As experiências individuais da personagem situadas no romance num espaço e tempo delimitados são vistos como causas para a condição presente da personagem. Não há mais o fator da coincidência como nas narrativas tradicionais. Dessa forma, o romance propicia a visualização da evolução da personagem no tempo.

Além disso, pode-se pensar em dois outros fatores que podem contribuir para a impressão de realidade do texto ficcional: a instância narrativa e o discurso. Bakhtin já falava sobre a importância dos diversos tipos de discursos utilizados no texto. Se a língua é formada por estes vários tipos de discurso, a sua utilização no romance o aproxima ainda mais da realidade.

De certa forma, a impressão de realismo que o romance nos causa no momento da leitura está justificado pelas estratégias utilizadas pelo autor. Também justifica que seja o gênero narrativo mais popular e fácil de ser lido. O romance não exige uma capacidade tão grande de abstração como a poesia, por exemplo.

Pessoal, para quem se interessa em ler os textos citados, postarei as referências nos comentários, ok?

Abraço!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Prefiro não fazer!

Já percebeu quantas vezes por dia você é obrigado a fazer coisas de que não gosta e como seria bom se pudesse simplesmente deixar de fazê-las. Infelizmente as coisas não são assim para nós. Diariamente somos obrigados a vestir determinado tipo de roupa, a comer determinado tipo de comida, a levantar cedo quando a cama nos chama etc. São nossas obrigações e muitas vezes nós as cumprimos sem questionamentos.

Nesse momento percebemos como seria bom se pudéssemos responder “Prefiro não fazer!” Mas nem sempre essa frase será uma boa escolha.

Em “Bartleby: o escriturário” de Hermann Melville, a personagem Bartleby, escriturário contratado por um escritório de advocacia, deixa de cumprir com suas obrigações utilizando essa frase. Não é exatamente uma recusa, nem uma afronta. É uma desistência. Um momento que seria o de se libertar de valores pré-estabelecidos torna-se o momento de prender-se a eles, pois, embora tenha uma atitude contrária à esperada ele não constrói uma alternativa. Apenas fica estagnado, a ponto de, mesmo após a mudança do escritório, ele continuar sozinho no prédio.

Bartleby apenas desiste de sua vida e não tem forças para construir uma nova. Até mesmo sua linguagem se esvai e se restringe à “Prefiro não...” Perceba que esta frase nem é uma negação, mas uma expressão, uma decisão entre duas coisas. No caso da personagem, não é uma decisão entre fazer uma ou outra coisa, como costuma-se pensar, mas entre fazer e não fazer. Ele simplesmente prefere não mover-se. Não vai em busca de algo novo ou de transformação. Percebe que não quer mais aquela vida e mesmo assim continua nela.

É possível perceber, além disso, como o comportamento de apenas uma pessoa é capaz de alterar o comportamento dos que estão à sua volta. A partir do momento em que Bartleby começa a recusar-se a trabalhar utilizando a sua famosa frase, os demais escriturários, sem perceberem, começam a fazer o mesmo e até o verbo “preferir” passa a fazer parte do cotidiano do escritório. A estagnação parece ser contagiosa.

O livrinho (sim, são apenas 100 p.) me lembrou também “O ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, em que as pessoas tornam-se cegas pelo contato com os demais. Leve-se em consideração o caráter alegórico da cegueira neste romance, que acredito também estar em “Bartleby: o escriturário”.

Sei que esta minha frase parecerá piegas e saída dos livros de auto-ajuda. Lembro-me, no entanto, que uma de minhas professoras da graduação disse que toda literatura é auto-ajuda, pois nos proporciona conhecer melhor o mundo e nós mesmos. Então lá vai:
Não digo que não devamos nos questionar. Acredito, sim, que é melhor nos sujeitar a fazer algo que não gostamos do que não fazer nada e desistir!

Para os fãs do cinema, localizei três adaptações: Ludwig Cremer (1963), Antony Friedman (1970) e Jonathan Parker (2001).
Existem edições de “Bartleby: o escriturário” pela LP&M e pela Rocco e pode ser adquirido por uma bagatela. Tem cerca de 100 páginas. Ótimo para ler no ônibus, na fila do banco... Mas você pode preferir não ler! A escolha é tua!
Abraço!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Poesia para a vida

Diário – Miguel Torga

Toda a semana me apeteceu gostar da Vida,
Por causa desse dia, que sonhei
Tão grande como o Dia de Juízo...
Afinal, anoiteceu,
E o meu pobre coração
Trabalha como nos dias
Em que nada aconteceu.

Ora isto vem de tão longe,
É já tão velho e revelho
Adormecer como um justo
E acordar roubado e morto;
É natural em mim
A ânsia ser um aborto
Ao fim
Dos nove meses do prazo,
Que era lógico e seguro
Ouvir cantar as sereias
Sem fazer caso...

Ah! Mas isso é que não! Ninguém se iluda!
Ninguém pense que vou desanimar!
Não, senhor:
A sagrada Teologia
Previu isto e muito mais...
Deus lá sabe
As linhas com que se cose...
Se para meu sumo bem
Terá de aumentar a dosa...


Apeteceu-me apresentar o poeta. Miguel Torga (1907-1995) é português, pertencente à fase denominada Presencismo, visto que é contemporânea da importante revista literária “Presença”, da qual fez parte o poeta. As tendências seguidas por este movimento não poderiam ser melhores: Dostoiévski, Proust e Gide. Miguel Torga é, na verdade, o pseudônimo de Adolfo Correia Rocha. Seus poemas, de caráter humanista, exprimem o transcendental, a experiência e a fatalidade de Ser. Escreveu predominantemente poesia, mas sua obra consta também de prosa de ficção, relato de viagens e teatro.

Outros textos do autor:
Livro de Horas
Identidade
Orfeu rebelde
Guerra Civil
Comunicado

Os livros do autor você pode conferir e comprar
aqui.

Abraço!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

3 textos sobre literatura que você pode ler na internet

De modo geral, somos acostumados a ler textos teóricos e reflexivos em sala de aula, mas ainda acredito que haja alguns loucos como eu que se interessam por isso em seus momentos de lazer.

Muitos falam mal da internet, mas trago aqui três motivos muitos bons para ficar por aqui. São três textos de pessoas conhecidas da área da literatura que falam sobre o papel que a literatura desempenha na sociedade.

Em “A importância da leitura para a humanidade”, Mario Vargas Llosa fala sobre os benefícios da leitura de ficção para nossas vidas, nos levando a um mundo muito mais interessante, em que os padrões em que vivemos são destruídos e podemos ser livres. O autor pensa na literatura como uma possibilidade de nos reconhecer como um grupo, observar nossos problemas, que são universais. Além disso, Llosa não deixa de falar sobre o caráter mais prático da leitura: aquisição de vocabulário, ampliação da capacidade de raciocínio e reflexão. Eis um texto que vale a pena ler.

Em “A literatura contra o efêmero”, Umberto Eco faz uma análise do modo como as pessoas vêem a literatura atualmente e a experiências que ela nos proporciona a cada leitura, a possibilidade que temos, através da leitura de presenciar e experimentar o impossível. A exemplo de Llosa, Eco também fala sobre a utilidade da literatura. Mas há uma utilidade para ela?

Em “Escritor recomenda romances clássicos aos novos leitores”, Moacir Scliar faz um guia para novos leitores, aqueles que, ao perceberem a necessidade da literatura para suas vidas, não sabe por onde começar ou para aqueles que, tendo já começado, querem recomeçar e ampliar seus conhecimentos sobre a arte. Neste texto, encontramos listas dos 10 clássicos indispensáveis, dos 10 brasileiros indispensáveis e dos 10 clássicos do século XX. Temos aí 30 livros para nossa lista de próximas leituras.

Você pode fazer o download dos três textos aqui.

Abraço e boa leitura!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Carnaval e arte

Na última semana, a rede Globo me proporcionou uma ótima surpresa. Sabe, não sou uma adepta do carnaval, destas que fazem festa durante uma semana, pelo contrário. Mas este ano eu vou assistir (pela TV é claro) a pelo menos um desfile: o da Mocidade Independente de Padre Miguel.

Pois então: estes dias estava assistindo “A Favorita”, porque ninguém é de ferro, e me deparei, no intervalo, com o clipe do samba-enredo da escola. O tema é dos meus. Transcrevo a letra que tirei do Radbox. Lá você encontra as letras deste ano de todas as escolas.


CLUBE LITERÁRIO MACHADO DE ASSIS E GUIMARÃES ROSA... ESTRELAS EM POESIA

Reluzente, estrela de um encontro divinal!
Risca o céu em poesias
Traz a magia pra reger meu carnaval
Despertam das páginas do tempo
Romances, personagens, sentimentos…
Machado de Assis que fez da vida sua inspiração
Um literato iluminado
As obras, um destino, a superação
Nos olhos da arte, reflete o legado
Do gênio imortal, do bruxo amado
Que deu ao jornal, um tom verdadeiro
Apaixonado pelo Rio de Janeiro

A canção do meu sarau te faz sonhar
A emoção vai te levar…
A estrela adormece, na paz do amor
Abençoado um novo sol brilhou

O vento traz Rosa de Minas
Rosa do mundo pra te encantar
Palavras que tocam a alma
Fascinam e tem poder de curar
Pelas veredas do sertão, a fé, o povo em oração
Pedindo a santa em romaria, pra chover em nosso chão
Mistérios na vida desse escritor
Revelam histórias de um sonhador
Brasil de tantas artes, nas letras sedução
Herança em cada coração
Mocidade, a sua estrela sempre vai brilhar!
Um show de poesia, em nossa academia
Saudade em verso e prosa vai ficar.

Fiquei curiosa para saber como será o desfile. Achei uma grande idéia, pois acredito que os escritores, tanto Machado de Assis quando Guimarães Rosa retratam e formam, junto do carnaval e do futebol, a alma do brasileiro. Como falei, não sou fã, mas devo admitir que o carnaval merece respeito, pois é umas das coisas que melhor representam o nosso país.

Depois do Museu da Língua Portuguesa, que já teve exposições de todos os autores, de todos os congressos temáticos do centenário, da minissérie “Capitu”, eis uma homenagem bem feita e dirigida a toda a população e não apenas à elite.

Tenho tanta esperança que os foliões tenham lido alguma obra dos autores!

Os dois escritores têm uma vasta obra. Machado de Assis foi o único brasileiro citado pelo americano Harold Bloom em “O Gênio”, que escolheu apenas os melhores escritores, além de ser considerado pelo crítico como o melhor escritor afro-descendente de toda a literatura universal. Sua obra já está em domínio público, o que significa que podemos ler a versão digital de seus livros gratuitamente. A exposição sobre o autor ainda está no Museu da Língua Portuguesa.

Guimarães Rosa foi o autor que inaugurou o Museu e escreveu uma das obras eu(Eu sei que não sou nenhum Harold Bloom!) considero uma das mais importantes da história da literatura, e acho que quem já leu concorda comigo: “Grande sertão: veredas” é tão regional e tão universal que me deixa confusa, toca tão fundo na alma que emociona. Esse é um daqueles calhamaços (são mais de 500 páginas) de papel que devoramos, sem medo, sem culpa e sem preguiça!

O cinema e a TV se apropriaram de várias obras do autor. O blog A sétima Arte traz uma lista das adaptações de Machado de Assis, embora não esteja muito bem atualizado. Já o site Imagem Tempo traz informações completas sobre as adaptações de Guimarães Rosa. Ambos valem a pena ser conferidos.

Abraço!

sábado, 10 de janeiro de 2009

"A viagem do elefante" de José Saramago - um presente de português

De presente, um elefante. Alguém já pensou nisso? Pois no século XVI, o rei D. João III resolveu presentear o arquiduque de Áustria, Maximiliano II com o elefante Salomão. Presente de grego? Não. Presente de português. Para chegar ao seu destino, Salomão teve de percorrer com suas próprias pernas toda a viagem de Portugal a Áustria. Este é o fato em que se baseia o mais novo romance de José Saramago: “A viagem do elefante” .

Durante a viagem, vemos os desrespeitos por que Salomão tem de passar, tendo seus horários de sono diminuídos, sendo chamado de Solimão e se vendo obrigado a produzir milagres para a igreja católica etc. Algum tempo depois de chegar a Viena, descobrimos uma coisa: sempre chegamos aonde temos que chegar.

A exemplo de “Memorial do convento”, “O ano da morte de Ricardo Reis” e “História do cerco de Lisboa”, José Saramago consegue construir mais um romance histórico da melhor qualidade, com questionamentos que nos levam a pensar: o que conhecemos como a História é realmente a nossa história ou apenas uma versão dela.

Muitas são as similaridades e aproximações entre Literatura e História, pois vários são os recursos utilizados por ambas: a narratividade, a temporalidade, a espacialidade. No Romance Histórico, a fronteira entre ambas praticamente deixa de existir, pois, além de utilizarem o mesmo material, ambos trabalham com o conceito de ficcionalização.

Embora a História tenha um compromisso com a verdade, inúmeras vezes o historiador se vê obrigado a preencher lacunas, e o faz por meio da ficção, e inserindo nela seus próprios valores e pontos de vista.

Os romances retratam e refletem sobre um acontecimento histórico de forma muitas vezes mais acurada do que a História propriamente dita, pois tem a possibilidade de ir mais a fundo nos fatos, cutucá-los para avivar a ferida e expô-la aos leitores. Mais do que a simples narração de fatos, através do romance histórico, temos a possibilidade de penetrar da consciência dos personagens históricos e entender melhor a história. Obviamente, o romance não traz a verdade, mas a possibilidade, o que não deixa de ser mais uma forma possível de reflexão, talvez a principal objetivo do romance histórico. Para tanto, estão no romance essas distorções, essas personagens históricas em contato com as fictícias, esta metalinguagem, essa ironia tão própria de José Saramago. O romance histórico não está interessado em narrar fatos históricos. Mais que isso, está interessado em (des) construí-los e (des) mitificá-los.

Mais uma vez, é isto que Saramago nos traz em seu romance: uma possibilidade e uma reflexão sobre a nossa natureza, a forma como submetemos as coisas, pessoas e elefantes a nossos caprichos.

No lançamento do livro em São Paulo, José Saramago falou sobre os processos de construção desse romance e afirmou não ser o pior de seus romances e nem o melhor. Certamente é diferente, embora tenha todas as melhores características de suas obras. É um maravilhoso presente de português aos leitores.

Ah! Confiram o Caderno de Saramago, atualizado quase diariamente pelo próprio escritor e o Blog da Fundação José Saramago, de responsabilidade da sua esposa Pilar.

Você já leu? Gostou? Não gostou? Leu sobre? Quer ler? Comente.