sábado, 10 de janeiro de 2009

"A viagem do elefante" de José Saramago - um presente de português

De presente, um elefante. Alguém já pensou nisso? Pois no século XVI, o rei D. João III resolveu presentear o arquiduque de Áustria, Maximiliano II com o elefante Salomão. Presente de grego? Não. Presente de português. Para chegar ao seu destino, Salomão teve de percorrer com suas próprias pernas toda a viagem de Portugal a Áustria. Este é o fato em que se baseia o mais novo romance de José Saramago: “A viagem do elefante” .

Durante a viagem, vemos os desrespeitos por que Salomão tem de passar, tendo seus horários de sono diminuídos, sendo chamado de Solimão e se vendo obrigado a produzir milagres para a igreja católica etc. Algum tempo depois de chegar a Viena, descobrimos uma coisa: sempre chegamos aonde temos que chegar.

A exemplo de “Memorial do convento”, “O ano da morte de Ricardo Reis” e “História do cerco de Lisboa”, José Saramago consegue construir mais um romance histórico da melhor qualidade, com questionamentos que nos levam a pensar: o que conhecemos como a História é realmente a nossa história ou apenas uma versão dela.

Muitas são as similaridades e aproximações entre Literatura e História, pois vários são os recursos utilizados por ambas: a narratividade, a temporalidade, a espacialidade. No Romance Histórico, a fronteira entre ambas praticamente deixa de existir, pois, além de utilizarem o mesmo material, ambos trabalham com o conceito de ficcionalização.

Embora a História tenha um compromisso com a verdade, inúmeras vezes o historiador se vê obrigado a preencher lacunas, e o faz por meio da ficção, e inserindo nela seus próprios valores e pontos de vista.

Os romances retratam e refletem sobre um acontecimento histórico de forma muitas vezes mais acurada do que a História propriamente dita, pois tem a possibilidade de ir mais a fundo nos fatos, cutucá-los para avivar a ferida e expô-la aos leitores. Mais do que a simples narração de fatos, através do romance histórico, temos a possibilidade de penetrar da consciência dos personagens históricos e entender melhor a história. Obviamente, o romance não traz a verdade, mas a possibilidade, o que não deixa de ser mais uma forma possível de reflexão, talvez a principal objetivo do romance histórico. Para tanto, estão no romance essas distorções, essas personagens históricas em contato com as fictícias, esta metalinguagem, essa ironia tão própria de José Saramago. O romance histórico não está interessado em narrar fatos históricos. Mais que isso, está interessado em (des) construí-los e (des) mitificá-los.

Mais uma vez, é isto que Saramago nos traz em seu romance: uma possibilidade e uma reflexão sobre a nossa natureza, a forma como submetemos as coisas, pessoas e elefantes a nossos caprichos.

No lançamento do livro em São Paulo, José Saramago falou sobre os processos de construção desse romance e afirmou não ser o pior de seus romances e nem o melhor. Certamente é diferente, embora tenha todas as melhores características de suas obras. É um maravilhoso presente de português aos leitores.

Ah! Confiram o Caderno de Saramago, atualizado quase diariamente pelo próprio escritor e o Blog da Fundação José Saramago, de responsabilidade da sua esposa Pilar.

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