quarta-feira, 11 de março de 2009

Personagens X pessoas: ficção (Parte II)

Novamente sobre as personagens...

Após a leitura do livro “A personagem de ficção”, propus ao meu grupo a discussão do mesmo.

Quando discutíamos “A personagem cinematográfica”, do Paulo Emílio Sales Gomes, nos surpreendemos com a afirmação de que as personagens da literatura ficam para a eternidade, enquanto as personagens do cinema são efêmeras, nos deixando, geralmente, apenas a recordação da imagem do ator/atriz que a interpretou.. Eis algo em que nunca havíamos parado para pensar!

Quando me propus a fazer uma lista das personagens que foram mais marcantes para mim, isso não foi uma tarefa tão difícil, e seus nomes saltaram da boca aos magotes: D. Quixote, Ana Karênina, Madame Bovary, Ulisses... e essas personagens não são tão recentes, ou seja, estão tão cristalizadas que até pessoas que nunca leram os livros em que viviam conhecem seus nomes.

Se formos limitar essa lista às personagens cinematográficas, quem seriam os componentes? Paulo Emílio restringe: Carlito (Charles Chaplin) talvez tenha sido a única personagem criada pelo cinema que sobreviveu ao tempo e passou a fazer parte da enciclopédia de vida das pessoas , mesmo que elas não tenham assistido a seus filmes.

Ademais, lembramo-nos de Audrey Hepburn, Elizabeth Taylor e diversos outros artistas. Quando uma personagem cinematográfica nos vem è mente, ela geralmente é fruto da literatura ou outras mídias como as HQs (Romeu e Julieta, Super Homem, Drácula...), ou seja, quando evocamos personagens do cinema, vêm a nós pessoas de verdade.

Transcrevo a conclusão do autor:

A vitalidade da personagem literária, novelística ou teatral, reside no seu registro em letras, na modernidade constante de execução garantida por essas partituras tipográficas. A personagem registrada na película nos impõe até os ínfimos pormenores o gosto geral do tempo em que foi filmada. Poderá um Leonardo do cinema fazer aceitar pela posteridade uma Mona Lisa cujo fascínio e mistério seria expresso através de movimento, som, sofrimento, alegria e do contexto completo do seu drama?

segunda-feira, 9 de março de 2009

A vida e a literatura: diálogos

"... em minha discreta opinião, senhor doutor, tudo quanto não for vida, é literatura, A história também, A história sobretudo, sem querer ofender, E a pintura, e a música, A música anda a resistir desde que nasceu, ora vai, ora vem, quer livrar-se da palavra, suponho que por inveja, mas regressa sempre à obediência, E a pintura, Ora, a pintura não é mais do que literatura feita com pincéis, Esero que não esteja esquecido de que a humanidade começou a pintar muito antes de saber escrever, Conhece o rifão, se não tens cão caça com o gato, por outras palavras, quem não pode escrever pinta, ou desenha, é o que fazem as crianças, O que você quer dizer, por outras palavras, é que a literatura já existia antes de ter nascido, Sim senhor, como o homem, por outras palavras, antes de o ser já o era. Parece-me um ponto de vista bastante original..."

(SARAMAGO, José. História do cerco de Lisboa, p. 12)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Livros e Blogs

Os grandes escritores sempre foram, antes de mais nada, grandes leitores, infelizmente a recíproca nem sempre é verdadeira. De qualquer forma, é impossível exercer atividades ligadas à publicação de textos, seja na mídia impressa tradicional ou na blogosfera, sem investir algum tempo em leitura. Esta afirmação aí ao lado, "Read Books Not Blogs", é um tanto quanto provocativa, mas chama a atenção para o debate sobre a qualidade do material em circulação hoje na Internet.

Gostaria de aproveitar então e destacar alguns blogs que, apesar de utilizarem em sua maioria apenas as ferramentas e templates padronizados, tem atingido o potencial criativo desta ferramenta na Internet como forma de expressão e divulgação de idéias, conhecimento ou relacionamento social. Começo pelo blog sai de mim!!! da jovem Natasha Fernanda Tiné, onde descobri esta afirmação espirituosa, ela escreve com muita personalidade, é só ler a descrição do perfil dela e entenderão o que quero dizer.

Na área de literatura e artes, visito regularmente alguns blogs que merecem ser lidos com muito interesse, são eles (a ordem na lista é totalmente aleatória):
leituras, Livros & Literatura, poetriz, artefato.k, nós todos lemos, LivroLivre, @ Dis-cursos, linhadepesca, Le Jardin Éphémère, Cadernos da Bélgica, Além do muro da estrada, Ulisses Adirt, Literatura etc., La Strega, Marconi Leal, Diego Viana, LivroErrante, Ágora com dazibao no meio, Non Liquet, Cemitério das Palavras, Ilusão da Semelhança, Libru Lumen, Barros Bar, Ensaios de um ababelado, Blog da Dai, Caderno de Paris, Homo libris, Caleidoscópio, Lady Cronopio, Uns Dias, Livros e mais livros, PorEntreLetras, Curiosa Identidade, Blog do Enríquez, O pássaro impossível, Insanidades, Efigênia Coutinho e sua Poesia, Blog Panorama, Fetiche de Cinéfilo, noVÍ TÁ, Alice Salles, Orgia Literária, Lendo.

É bom deixar claro que não citei blogs que já alcançaram um nível profissional inegável como é o caso do
Livros e Afins, Polzonoff, O Biscoito Fino e a Massa, Renata Miloni, Pensar Enlouquece. Enfim, tanto material de qualidade a ser visto, lido e acompanhado que definitivamente devemos ler não somente livros, mas também blogs é claro.
  • Post publicado originalmente por Kovacs no blog Mundo de K. Agradeço a gentileza de meu colega Kovacs e adiciono à sua lista os blogs que acompanho.

quarta-feira, 4 de março de 2009

A Invenção de Morel - Adolfo Bioy Casares

Discuti com o seu autor os pormenores do enredo, reli-o; não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole classificá-lo como perfeito. (Jorge Luis Borges)

Quando se lê uma afirmação dessas vinda de Borges, pode-se ter certeza de que se trata de coisa realmente muito boa. Trata-se de “A invenção de Morel”. A exemplo dos textos de Borges, o romancista argentino Adolfo Bioy Casares também produziu ótima literatura fantástica.

O enredo, aparentemente simples, conta a história de um fugitivo da justiça que se refugia numa ilha misteriosa do pacífico, onde há a suspeita de uma grave epidemia. A forma é de um diário editado, permeado pelas notas de um editor. O protagonista apaixona-se por uma moça, Faustine, que ele acredita ser parte de um grupo de veranistas. Mais tarde, descobre que ela e ninguém do grupo podem vê-lo.

A invenção de Morel”, assim como em alguns textos de Borges, confunde o leitor com relação ao caráter ficcional da obra. Tudo, absolutamente tudo deve ser levado em consideração neste texto e só assim é que conseguimos chegar ao ponto chave da narrativa. A sensação de estranhamento é presente na obra quase que constantemente.

Sem spoilers, um trecho de um dos livros mais interessantes e fantásticos (em ambos os sentidos) que já li:

“Contarei fielmente os factos que presenciei entre a tarde de ontem e a manhã de hoje, factos inverossímeis, que a realidade não terá podido produzir sem trabalho... Agora a verdadeira situação parece não ser a descrita nas páginas anteriores; a situação que vivo não é a que julgo viver.”

segunda-feira, 2 de março de 2009

HQ no cinema: Watchmen

Há cerca de 5 anos, entraram em moda as adaptações de quadrinhos para o cinema. Foram várias: Homem aranha 1, 2, e 3, Batman, X-man, V de Vingança, Constantine, 300. Nesta semana, mais uma dessas adaptações estréia nos cinemas: Watchman, um dos mais esperados do ano.

Esta é uma série de quadrinhos escrita por Alan Moore, ilustrada por Dave Gibbons e publicada pela DC Comics nos anos de 1986 e 1987. Seu caráter alternativo, juntamente com sua temática mais madura e menos superficial, o tornou um marco importante na história dos quadrinhos e passou a ser chamado de “Graphic novel” (romance visual).

A trama de Watchmen é situada nos EUA de 1985, um país no qual aventureiros fantasiados seriam realidade. O país estaria vivendo um momendo delicado no contexto da Guerra Fria e em vias de declarar uma guerra nuclear contra a União Soviética. A mesma trama envolve os episódios vividos por um grupo de super-heróis do passado e do presente e os eventos que circundam o misterioso assassinato de um deles. Watchmen retrata os super-heróis como indivíduos verossímeis, que enfrentam problemas éticos e psicológicos, lutando contra neuroses e defeitos, e procurando evitar os arquétipos e super-poderes tipicamente encontrados nas figuras tradicionais do gênero. Isto, combinado com sua adaptação inovadora de técnicas cinematográficas, o uso frequente de simbolismo, diálogos em camadas e metaficção, influenciaram tanto o mundo do cinema quanto dos quadrinhos.

A adaptação, apesar de ser a mais esperada do ano, não alcançou unanimidade dentre os críticos em sua premiere mundial que aconteceu em Londres na semana passada. O filme, dirigido por Zack Snyder (300), conta com muita ação, sangue e sexo. A música e os efeitos especiais desempanham papel importantíssimo, da mesma forma que aconteceu em 300. Os críticos admitiram, porém, que o filme não decepcionará os fãs de Watchmen e poderá agradar também aos espectadores que não tiveram acesso aos quadrinhos, mas deixa a desejar depois de tanta expectativa, gastos e disputas entre os estúdios Fox e Warner.

Aguardemos! Estréia dia 6 nos cinemas.
Hoje o mesmo post em Transtornando o Incerto!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Melinda e Melinda: a tragédia e a comédia

O filme Melinda e Melinda (2004), do diretor Woody Allen, é muito mais do que uma produção cinematográfica. Possui as características mais marcantes do diretor: poucos cortes, cenas vazias, vozes em off, comicidade.

Mas, mais do que um filme, em Melinda e Melinda, Woody Alllen faz uma reflexão sobre a tragédia e a comédia, desenvolvendo duas histórias paralelas para uma mesma personagem.
Tudo se inicia com uma discussão entre diretores cinematográficos sobre a essência da vida: seria ela cômica ou trágica? O desenrolar dos fatos nos mostra como podemos ter visões e reações diferentes para um mesmo fato.

As duas histórias têm basicamente os mesmos elementos e o mesmo enredo: Melinda, separada do marido, muda-se para outro local, encontra um grupo de pessoas jantando... e por aí vai... A construção das duas partes do filme ficam muito bem definidas, mesmo as personagens. Cenas mais escuras, música triste, chuva e um cabelo desgrenhado para a Melinda trágica. Sol, roupas coloridas, música alegre e um visual bem leve para a Melinda cômica.
Como sempre, a impressão de que estamos assistindo a uma cena real, a impressão de realidade, é cortada por Woody Allen, a partir do momento em que sabemos que as histórias estão sendo apenas imaginadas pelos diretores para ilustrar uma discussão, até o momento em que o filme acaba com um estalar de dedos do diretor-personagem. Mesmo assim, não se consegue desgrudar da tela por um minuto e por momentos se esquece que a história que estamos vendo não é da Melinda, mas dos diretores.

Bem, essa é minha dica de filme para o final de semana! Aguardo os comentários.
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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Personagens X pessoas: ficção

Antônio Cândido, quando escreveu “A personagem do romance”, tentou inicialmente diferenciar personagem (ser fictício) de pessoa (ser real), e o que parecia simples tornou-se uma discussão de várias páginas. Pode um personagem SER?

E mais uma vez voltamos para “A poética” de Aristóteles. Como toda ficção é baseada na realidade e deve ser verossimilhante, toda personagem deve igualmente ser verossimilhante, ou seja, deve convencer enquanto pessoa.

Daí, surgiram várias definições de personagens: tipos, planas, redondas ou esféricas, transpostas, inventadas etc. Podemos dizer que, de certa forma, toda personagem é transposta, pois possui características básicas capazes de definir uma pessoa. Por mais estranha e inventada que seja uma personagem, ela possui características que são comuns a todo ser humano.

A principal diferença entre personagens e pessoas, exposta por Antônio Cândido, é que as pessoas são ilimitadas (podemos apreender todo o seu físico, mas não sua personalidade, por que está em constante desenvolvimento e transformação e por que alguns traços psicológicos são imperceptíveis até mesmo para si mesmas) e as personagens são limitadas, têm personalidades bem definidas, inseridas no todo do romance.

Além disso, há o fato de que na vida, estamos tão acostumados a visualizar fragmentos que por vezes os tomamos como todo, ou seja, transformamos as pessoas que conhecemos em personagens. Na ficção, os fragmentos são o que basta para termos uma visão do todo, pois as personagens não têm passado nem futuro além do livro.

Até o romantismo, as personagens eram idealizadas, perfeitas e fechadas em si mesmas. Com o advento do realismo (e do naturalismo, racionalismo, positivismo, determinismo, psicologia e psicanálise ...) as personagens se tornaram mais reais, mais profundas, mais humanas.

Surgiram personagens como Madame Bovary, Anna Karenina e Capitu, Heathcliff, Gatsby e Bartleby, GH e Ulysses, dentre outros. E quem, dentre nós, diria que não são pessoas? Quem, dentre nós, se acha mais humano que qualquer uma dessas personagens?

A vantagem do ser fictício sobre o ser humano está na intensidade com que ele vive cada momento e cada paixão, e a vantagem do ser humano sobre o ser fictício está na “aventura sem fim que é, na vida, o conhecimento do outro” (CÂNDIDO).

Top 10 (minhas) personagens inesquecíveis

1. Heathcliff (O morro dos ventos uivantes)
2. Blimunda (Memorial do Convento)
3. Macabéia (A hora da estrela)
4. Brás Cubas (Memórias Póstumas de Brás Cubas)
5. Bartleby (Bartleby: o escriturário)
6. Gilliatt (Os trabalhadores do mar)
7. Gatsby (O grande Gatsby)
8. Anna Karênina (Anna Karênina)
9. Lady Macbeth (Macbeth)
10. Riobaldo (Grande Sertão: Veredas)

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A personagem de ficção”!