quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Personagens X pessoas: ficção

Antônio Cândido, quando escreveu “A personagem do romance”, tentou inicialmente diferenciar personagem (ser fictício) de pessoa (ser real), e o que parecia simples tornou-se uma discussão de várias páginas. Pode um personagem SER?

E mais uma vez voltamos para “A poética” de Aristóteles. Como toda ficção é baseada na realidade e deve ser verossimilhante, toda personagem deve igualmente ser verossimilhante, ou seja, deve convencer enquanto pessoa.

Daí, surgiram várias definições de personagens: tipos, planas, redondas ou esféricas, transpostas, inventadas etc. Podemos dizer que, de certa forma, toda personagem é transposta, pois possui características básicas capazes de definir uma pessoa. Por mais estranha e inventada que seja uma personagem, ela possui características que são comuns a todo ser humano.

A principal diferença entre personagens e pessoas, exposta por Antônio Cândido, é que as pessoas são ilimitadas (podemos apreender todo o seu físico, mas não sua personalidade, por que está em constante desenvolvimento e transformação e por que alguns traços psicológicos são imperceptíveis até mesmo para si mesmas) e as personagens são limitadas, têm personalidades bem definidas, inseridas no todo do romance.

Além disso, há o fato de que na vida, estamos tão acostumados a visualizar fragmentos que por vezes os tomamos como todo, ou seja, transformamos as pessoas que conhecemos em personagens. Na ficção, os fragmentos são o que basta para termos uma visão do todo, pois as personagens não têm passado nem futuro além do livro.

Até o romantismo, as personagens eram idealizadas, perfeitas e fechadas em si mesmas. Com o advento do realismo (e do naturalismo, racionalismo, positivismo, determinismo, psicologia e psicanálise ...) as personagens se tornaram mais reais, mais profundas, mais humanas.

Surgiram personagens como Madame Bovary, Anna Karenina e Capitu, Heathcliff, Gatsby e Bartleby, GH e Ulysses, dentre outros. E quem, dentre nós, diria que não são pessoas? Quem, dentre nós, se acha mais humano que qualquer uma dessas personagens?

A vantagem do ser fictício sobre o ser humano está na intensidade com que ele vive cada momento e cada paixão, e a vantagem do ser humano sobre o ser fictício está na “aventura sem fim que é, na vida, o conhecimento do outro” (CÂNDIDO).

Top 10 (minhas) personagens inesquecíveis

1. Heathcliff (O morro dos ventos uivantes)
2. Blimunda (Memorial do Convento)
3. Macabéia (A hora da estrela)
4. Brás Cubas (Memórias Póstumas de Brás Cubas)
5. Bartleby (Bartleby: o escriturário)
6. Gilliatt (Os trabalhadores do mar)
7. Gatsby (O grande Gatsby)
8. Anna Karênina (Anna Karênina)
9. Lady Macbeth (Macbeth)
10. Riobaldo (Grande Sertão: Veredas)

Compare aqui o preço do livro “
A personagem de ficção”!

9 comentários:

  1. Bem interessante a comparação de Antonio Candido. “As pessoas são ilimitadas e as personagens são limitadas” – Será? Acho que cada escritor ou leitor pode dar a vida que quiser a uma personagem e alterar sua visão com o passar do tempo, não? Mas o que mais me deixou intrigado foi suas seleção das Top 10 personagens.

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  2. Barros,

    Discordo de você quando diz que cada leitor pode da a vida que quer a uma personagem, pois tanto os traços físicos como os psicológicos são determinados pelo escritor e fechados dentro do enredo. Jamais descobriremos os segredos de Bartleby por que eles não estão contidos na novela. Se tentarmos desvendá-los, estaremos criando uma nova personagem. capitu, sem os olhos de cigada oblíqua e dissimulada seria outra Capitu, que não a de Machado de Assis.

    Concordo que a nossa visão da obra, como um todo, pode mudar como o passar do tempo e que, inclusive, minha lista dos top 10 personagens inesquecíveis ainda mudará com o tempo, pois somos seres ilimitados em eterna construção.

    Quanto à lista, bem, é só a minha lista. São personagens que se tornaram inesquecíveis pela sua força e pela sua humanidade dentro da obra a que pertencem. Faça a sua e poste aqui!

    Gostei muito do seu Blog. Logo estará linkado aí ao lado.

    Obrigada pela visita e pela colaboração.

    Abraço!

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  3. Excelente postagem e a lista também está perfeita, todos os personagens inesquecíveis.

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  4. Sem dúvida, o que está escrito num livro definindo a personalidade de uma personagem é imutável. Porem, a personalidade e o caráter das personagens nem sempre são definidos de forma clara e objetiva, o que dá margem a que os leitores possam ter opiniões diferentes a seu respeito, que inclusive pode mudar depois de uma segunda leitura. Tomando o exemplo de Capitu, veja quantas discussões já houve a respeito de seu caráter e até mesmo se houve a traição. Foi quanto a esta gama de possibilidades que cada leitor possui de interpretar uma personagem, ou dar a vida que quiser como eu disse um tanto metaforicamente, que quis me referir.
    Abs.

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  5. Kovacs,

    Muito obrigada pela visita, pela assiduidade e pelo elogio.

    As listas são sempre muito arbitrárias, de forma que você também está convidado a postar a sua aqui!

    Abraço!

    Angelis

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  6. Barros,

    Então você se refere ao caráter, que na verdade também já está definido. O que muda é o julgamento que fazemos do seu caráter e das suas ações. Este julgamento pode mudar de pessoa para pessoa e até numa mesma pessoa com o passar do tempo, quando nossas crenças vão mudando. Veja bem que, quando uma criança mostra a língua isso é ofensivo apenas para outra criança, e incusive para você quando era criança. O fato de hoje isso não te ofender mais não muda o caráter da criança nem o ato de mostrar a língua.

    Concorda comigo?

    Até mais,

    Angelis

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  7. Angelis,

    Sua postagem está excelente e Antonio Candido é um crítico literário respeitadíssimo, e longe de mim querer ser dono da verdade, somente apresentei uma maneira diferente de pensar sobre o tema e acho que no seu discordar acabou concordando pelo menos em parte com meu ponto de vista.
    Quis me referir a tudo que compõe uma personagem - caráter, personalidade, traços psicológicos, etc. Embora concorde que a definição de uma personagem esteja limitada ao que esteja escrito e não possa ser alterado (diferentemente do que pode ocorrer com relação às pessoas), do ponto de vista do leitor, sua percepção pode variar como já comentamos, ou seja, devido às personagens não serem tão bem definidas – diferentemente do que diz A. Candido – pode-se ter leituras variáveis e opiniões diferentes, assim como podemos ter das pessoas (principalmente daquelas que são dissimuladas, não é mesmo?). É especificamente quanto a este ponto que questionei o texto de A. Candido, em sua citação "as pessoas são ilimitadas (podemos apreender todo o seu físico, mas não sua personalidade, por que está em constante desenvolvimento e transformação e por que alguns traços psicológicos são imperceptíveis até mesmo para si mesmas) e as personagens são limitadas, têm personalidades bem definidas, inseridas no todo do romance."

    Abraços

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  8. Tô aqui surpreso e feliz de merecer entrar no teu blog-roll. Brigado.

    Concordo um pouco com o Barros - cada leitor lê o mundo, o livro e o personagem com base na sua própria experiência de vida.

    Muito legal a tua lista dos top10.

    Um dia vou fazer a minha também.

    Mas, se tem um personagem que me pareceu muito próximo e me chamou muito a atenção foi o Trapo, do romance homônimo de Cristóvão Tezza.

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  9. André,

    Eu é que fico feliz que você também esteja aqui.

    Faça a sua lista e poste aqui. Será muito bem vinda...

    Abraço!

    Angelis

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