terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Do microondas ao micro-ondas: cozinhando a língua portuguesa

PARTE I: NO MICROONDAS
PARECER DO SENSOR DO SANTO OFÍCIO NA EDIÇÃO DE 1572 DE “OS LUSÍADAS”

Vi por mandado da santa & geral inquisição estes dez cantos dos Lusiadas de Luis de Camões, dos valerosos feitos em armas que os Portugueses fizerão em Asia & Europa, e não achey nelles cousa alguã escandalosa nem contrária â Fe & bõs costumes, somente me pareceo que era necessario advertir os Lectores que o Autor pêra encarecer a difficuldade da navegação & entrada dos Portugueses na India, usa de huã fição dos Deoses dos Gentios. E ainda que sancto Augustinho nas sas Retractações se retracte de ter chamado nos liuros que compos de Ordine, aas Musas Deosas. Toda via como isto He Poesia & fingimento, & o Autor como poeta, não pretende mais que ornar o estilo Poetico não tivemos por inconveniente yr esta fabula dos Deoses na obra, conhecendoa por tal, & ficando sempre salua a verdade de nossa sancta Fe, que todos os Deoses dos Gentios sam Demonios. E por isso me pareceo o liuro digno de se imprimir, & o Autor mostra nelle muito engenho & muita erudição nas sciencias humanas. Em fe do qual assiney aqui.

Frey Bertholameu Ferreira


Lendo um texto como esse, é difícil acreditar que se trata da mesma língua que falamos hoje. Trata-se, de fato, da nossa língua? Sim, trata-se das origens de nossa língua. Muitas pessoas afirmam que a Língua Portuguesa tomou sua forma e desvencilhou-se de vez do Latim antigo com a publicação de “Os Lusíadas”, que teria sido a inspiração para os gramáticos do século XVI. Porém, com exceção de algum vocabulário, das gramáticas e da literatura, guardamos muito pouco dessa língua. No Brasil, podemos dizer que o único resquício dela é o Hino Nacional, com seu vocabulário requintado e suas inversões gramaticais.

As transformações são comuns em qualquer língua e elas acontecem naturalmente. É na conivência com diversas línguas e culturas pela necessidade de seus falantes que ela se transforma. Não fosse assim, ainda hoje estaríamos falando Latim. As novas expressões e as adaptações entram oficialmente no idioma apenas depois de estarem cristalizadas na boca do povo há muito tempo.

Aqui mesmo no nosso país, encontramos diversas variantes da Língua Portuguesa, com seus sotaques e vocábulos próprios: há o jeitinho cantado dos falantes do sul, o “s” puxado e arrastado dos cariocas, a língua preguiçosa e mole do nordeste... É impossível existir um idioma heterogêneo e único num país, pois a língua é parte constitutiva da identidade pessoal e coletiva dos seus falantes, de forma que uma unificação linguística seria uma perda de seus valores e sua identidade dos falantes, teríamos um povo heterogêneo.

Duas ações recentes interessantíssimas a esse respeito foram o documentário “
Língua – vidas em português” que abrange todos os países lusófonos (você pode ver um trecho no youtube) e o “Museu de Língua Portuguesa” que é, hoje, o museu mais visitado do Brasil, atualmente com a exposição sobre Machado de Assis.

Como nem tudo é perfeito, nesse contexto surge o tal do Acordo Ortográfico para complicar a nossa vida. Sobre isso, falaremos amanhã.

Enquanto isso, divirtam-se comentando e vendo opiniões sobre o Acordo no blog
Transtornando o Incerto e lendo a entrevista do diretor do Museu da Língua Portuguesa à Folha de São Paulo.
Abraço!

Um comentário:

  1. Angelis, parabéns pelo blog, gostei muito e passarei a acompanhá-la. Estou lendo no momento a Viagem do Elefante e escreverei resenha em breve. Já adicionei link para a sua página que visitarei bastante, tenho certeza!

    Kovacs

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