quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Prefiro não fazer!

Já percebeu quantas vezes por dia você é obrigado a fazer coisas de que não gosta e como seria bom se pudesse simplesmente deixar de fazê-las. Infelizmente as coisas não são assim para nós. Diariamente somos obrigados a vestir determinado tipo de roupa, a comer determinado tipo de comida, a levantar cedo quando a cama nos chama etc. São nossas obrigações e muitas vezes nós as cumprimos sem questionamentos.

Nesse momento percebemos como seria bom se pudéssemos responder “Prefiro não fazer!” Mas nem sempre essa frase será uma boa escolha.

Em “Bartleby: o escriturário” de Hermann Melville, a personagem Bartleby, escriturário contratado por um escritório de advocacia, deixa de cumprir com suas obrigações utilizando essa frase. Não é exatamente uma recusa, nem uma afronta. É uma desistência. Um momento que seria o de se libertar de valores pré-estabelecidos torna-se o momento de prender-se a eles, pois, embora tenha uma atitude contrária à esperada ele não constrói uma alternativa. Apenas fica estagnado, a ponto de, mesmo após a mudança do escritório, ele continuar sozinho no prédio.

Bartleby apenas desiste de sua vida e não tem forças para construir uma nova. Até mesmo sua linguagem se esvai e se restringe à “Prefiro não...” Perceba que esta frase nem é uma negação, mas uma expressão, uma decisão entre duas coisas. No caso da personagem, não é uma decisão entre fazer uma ou outra coisa, como costuma-se pensar, mas entre fazer e não fazer. Ele simplesmente prefere não mover-se. Não vai em busca de algo novo ou de transformação. Percebe que não quer mais aquela vida e mesmo assim continua nela.

É possível perceber, além disso, como o comportamento de apenas uma pessoa é capaz de alterar o comportamento dos que estão à sua volta. A partir do momento em que Bartleby começa a recusar-se a trabalhar utilizando a sua famosa frase, os demais escriturários, sem perceberem, começam a fazer o mesmo e até o verbo “preferir” passa a fazer parte do cotidiano do escritório. A estagnação parece ser contagiosa.

O livrinho (sim, são apenas 100 p.) me lembrou também “O ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, em que as pessoas tornam-se cegas pelo contato com os demais. Leve-se em consideração o caráter alegórico da cegueira neste romance, que acredito também estar em “Bartleby: o escriturário”.

Sei que esta minha frase parecerá piegas e saída dos livros de auto-ajuda. Lembro-me, no entanto, que uma de minhas professoras da graduação disse que toda literatura é auto-ajuda, pois nos proporciona conhecer melhor o mundo e nós mesmos. Então lá vai:
Não digo que não devamos nos questionar. Acredito, sim, que é melhor nos sujeitar a fazer algo que não gostamos do que não fazer nada e desistir!

Para os fãs do cinema, localizei três adaptações: Ludwig Cremer (1963), Antony Friedman (1970) e Jonathan Parker (2001).
Existem edições de “Bartleby: o escriturário” pela LP&M e pela Rocco e pode ser adquirido por uma bagatela. Tem cerca de 100 páginas. Ótimo para ler no ônibus, na fila do banco... Mas você pode preferir não ler! A escolha é tua!
Abraço!

2 comentários:

  1. Olá literatura, encontrei o seu blog através do Kovacs, e o achei muito pertinente com o assunto e bonito, já estou acompanhando, parabéns.

    Abraços Literários.
    Marcos Miorinni

    porentreletras
    janelasetravessias
    oficinadefragmentos

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  2. Marcos, muito obrigada por me acompanhar.

    A intenção do blog é mesmo muito boa, só espero conseguir corresponder às espectativas e razer sempre algo legal, mesmo quando minha criatividade estiver em baixa.

    Vou ver seus blogs também!

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